Tão
claro do que poderia ser possível, acordei naquela manhã com a certeza de que
tornaria o mundo um lugar mais suportável para se viver.
Eliminar
os desprovidos de alma, os ausentes de caráter, os humanamente inanimados.
Assim,
levantei com a convicção de quem acertaria mil vezes na loteria, marcaria o gol
no último minuto de jogo, ficaria com a mulher mais bonita da festa.
Sai
de casa com a ideia tão intensa como fogo, que saberia exatamente o que fazer
quando chegasse o momento.
Desloquei-me
serenamente, durante prolixos 76 minutos, até a Câmara Municipal da cidade. Para
mim, o covil dos mais famigerados lobos, famulentos, desprovidos de alma,
sedentos por sangue.
Sabia
precisamente a hora que ocorreria a sessão, o conciliábulo, as formulações
sobre subtrações públicas corriqueiras. Impressionantes malfeitorias que
acontecem em plena luz do dia e com o aval do povo, dos alienados, dos
desprovidos de cérebro.
Logo
que adentrei o grande salão, os lobos lançaram olhares incrédulos, famélicos
por saber como um ser tão repugnante como aquele, execrável, um inseto, um
cidadão, poderia estar ali. Tendo a ousadia de ingressar no covil sem o aval
dos seus iguais acerebrais.
Entretanto,
mesmo antes da turba finalizar seus pensamentos maléficos e partirem para a
carnificina cidadã, arrebatei da mochila a arma. Ansiosa para esputar o metal.
E assim, alvejei todos, todos os lobos, ausentes de caráter, desprovidos de
alma.
Com
o alívio de quem sabe que está absolutamente certo em suas ações, fui embora
lentamente, deliciando-me com cada fragmento desfechado, degustando o deleite
do sangue entornado, dos corpos alastrados no chão, dos lobos no salão. Que já
desprovidos de alma, agora jaz o que era maléfico, abstêmio de humanidade.
Voltei
para casa com a mente tão serena como fui ao meu passeio à Câmara Municipal.
Até me passou por pensamento, tão velozmente como a correnteza do rio mais tempestuoso,
que ninguém, nenhuma autoridade me abordara, nem antes, durante ou após a
benfeitoria realizada. Contudo, não dei importância. Talvez, eu tenha adquirido
muitos adeptos com a minha façanha, minha generosidade.
Assim,
voltei para cama para complementar meu descanso, agora merecidamente conquistado.
Então,
e somente então, percebi que não estava indo dormir, e sim já o estava durante
todo o tempo desta narrativa.
Com
isso, intuí que o que fizera estava vivo somente em devaneio, um sonho, um pulcro
e sublime sonho que tive após mais uma noite de propaganda eleitoral gratuita,
símbolo da democracia áspide que vivemos, nós, pobres ratos. Nesse tempo de
eleições, nesse fim dos tempos.
Um
devaneio, a aniquilação dos lobos desprovidos de alma.
Por
favor, não me acordem nunca mais, ou até que o mundo esteja limpo.
*Nota:
O autor não é favorável a nenhuma forma de violência, seja ela física ou
verbal. Mesmo que os lobos a mereçam com todo fervor. Lembrem-se, no covil
estão apenas os que receberam nosso aval.
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